A tecnocracia que comanda o império americano

Com Musk, Thiel, Palantir e aliados no governo dos EUA, a elite do Vale do Silício deixou de apenas financiar campanhas para governar diretamente. O império americano está sob nova gestão — falando em código, dados e dominação algorítmica.

Bruno Richards 17 Jun 2025
Agora é a vez da tech mandar.

Agora é a vez da tech mandar.

A tecnocracia tomou o império americano

Com Musk, Thiel, Palantir e aliados no governo dos EUA, a elite do Vale do Silício deixou de apenas financiar campanhas para governar diretamente. O império americano está sob nova gestão — falando em código, dados e dominação algorítmica.

Nos Estados Unidos de 2025, o centro do poder não é mais apenas o Salão Oval — é também o boardroom da Andreessen Horowitz (a16z), os terminais da Palantir, os escritórios da OpenAI e os servidores da X (antigo Twitter). O que antes era lobbying foi absorvido pela máquina estatal. E o que era backstage agora comanda o palco.


Peter Thiel: o arquiteto da tecnocracia

No epicentro dessa transformação está Peter Thiel — bilionário, libertário e ideólogo do poder tecnológico. Cofundador da Palantir e do PayPal, Thiel foi o primeiro grande doador de Trump em 2016. Mas foi seu trabalho intelectual que moldou a nova elite política.

Livros e ideias

No best-seller Zero to One (2014), Thiel discorre sobre a importância de criar monopólios tecnológicos como forma de garantir progresso e estabilidade:

“Monopolies drive progress.”

Ele vê a inovação real como aquela que resolve problemas inéditos — não a reprodução de ideias já existentes. Para ele, é preferível dominar nichos de forma “monopolista” do que participar de competições estagnadas.

Em The Diversity Myth (1995), coautoria com David Sacks, Thiel critica o que chama de “política de identidade” e o relativismo nos campi universitários. Ele defende uma cultura que valorize o mérito objetivo — essencial para uma tecnocracia racional.

Em artigos e palestras, Thiel também defende agendas políticas que alinham poder estatal e tecnologia: menor regulação, mais investimento em defesa, soberania digital e reformas institucionais.


Proxy político: J.D. Vance

Ex-funcionário de Thiel, J.D. Vance foi eleito senador com seu apoio e, em 2025, tornou-se vice-presidente dos EUA na chapa de Trump. Vance atua como uma extensão de Thiel em Washington — permitindo que o bilionário influencie diretamente a política de segurança, imigração e IA. Alguns analistas apontam que Thiel pode estar preparando Vance como seu projeto político de longo prazo: um futuro presidente com o Vale do Silício no comando.


Founders Fund: o elo entre tecnologia e Estado

Pelo Founders Fund, Peter Thiel é investidor e sócio de Elon Musk em empresas estratégicas como a SpaceX e a Starlink — um império aeroespacial e de infraestrutura digital com poder geopolítico real. 

Foi com a Starlink que Musk forneceu internet à Ucrânia durante os primeiros meses da guerra contra a Rússia, e mais recentemente direcionou seus satélites para o Irã, em apoio à população que teve acesso à internet cortado pelo regime local.

É a primeira vez na história que uma empresa privada detém controle direto sobre conectividade soberana — em escala global.


O ecossistema tecnocrático

Thiel não opera sozinho. Ele se articula com outros nomes do Vale:

  • Elon Musk, com X, SpaceX e Neuralink, é hoje um dos principais agentes de influência sobre opinião pública e infraestrutura estratégica.

  • Marc Andreessen, da a16z, lidera o movimento e/acc — um “aceleracionismo eficaz” focado em crescimento via tecnologia.

  • Joe Lonsdale e David Sacks, ex-colegas do PayPal e Palantir, são financiadores de mídia, think tanks e candidatos alinhados à nova ordem digital.


e/acc vs. decels: o embate ideológico dentro do Vale

O Vale do Silício está rachado entre dois blocos:

  • e/acc (effective accelerationism): linha defendida por Andreessen, Lonsdale, Balaji Srinivasan. Pregam aceleração implacável da tecnologia, menos regulação, disrupção como valor moral e conquista geopolítica via inovação.

  • decels (deceleracionistas): nomes como Tristan Harris (Center for Humane Tech), Eliezer Yudkowsky e grupos ligados à OpenAI e DeepMind defendem prudência. Pedem limites éticos, supervisão estatal e desaceleração em áreas como IA geral, neurotecnologia e automação armamentista.

Essa divisão já chegou ao Congresso. Propostas como controle sobre uso militar de IA, limites em chips de altíssima performance e fiscalização sobre modelos fundacionais de linguagem dividem Washington. Thiel e Andreessen veem isso como entrave ao progresso — os decels veem como freios necessários ao colapso civilizacional.


O que está em jogo

  • A substituição da política tradicional por “governança de fundadores”

  • O uso de dados, sensores e algoritmos para gerenciar políticas públicas

  • A captura da segurança nacional por empresas privadas (Palantir, Anduril, SpaceX)

  • A reconfiguração da democracia em um império de infraestrutura digital

Estamos vendo a consolidação de uma elite que acredita que o futuro pertence a quem o constrói — com ou sem o consentimento dos eleitores.

O império americano está sendo reprogramado. E os novos imperadores não usam terno — usam código-fonte.

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