Por que gente estudada e rica está desistindo de ter filhos

Elon Musk reacendeu, esta semana, um alerta que ecoa cada vez mais alto: “a baixa natalidade foi o principal fator na queda de Roma"

Bruno Richards 27 Jun 2025
Menos população = menos crescimento

Menos população = menos crescimento

Elon Musk reacendeu, esta semana, um alerta que ecoa cada vez mais alto: “a baixa natalidade foi o principal fator na queda de Roma — e pode repetir-se com qualquer civilização próspera”. A frase não é mero exercício de retórica. A queda na taxa de fecundidade já não se limita a Japão, Itália ou Coreia do Sul; tornou-se uma preocupação igualmente brasileira. De acordo com o IBGE, a fecundidade total no país despencou de 2,1 filhos por mulher em 2000 para 1,62 em 2023, abreviando o caminho para um futuro em que nem sequer haverá reposição populacional. O recorte por escolaridade é ainda mais radical: entre mulheres com diploma universitário a média cai para 0,93 filho, espelhando a lógica observada nos países ricos de que, quanto maiores renda e instrução, menor a chance de ampliar a família.

A explicação reúne, de São Paulo a Seul, três forças complementares. A primeira delas é a escalada do custo de vida — ou, talvez mais importante, a percepção de que a inflação nunca esfria nos itens que contam: aluguel, escola, saúde, creche. Esse ponto se intensifica num ambiente de redes sociais, em que o estilo de vida exibido no feed combina gadgets de última geração, viagens frequentes e cursos caros; o projeto-filho, diante desse “orçamento ideal”, acaba empurrado indefinidamente. A segunda força é a aversão a riscos em carreiras cada vez mais instáveis. Profissionais altamente qualificados investem anos — e, não raro, dívidas expressivas — em MBAs e doutorados; interromper a trajetória por uma licença prolongada parece perigoso. Nos Estados Unidos, pesquisas do Pew indicam que 44 % dos adultos com diploma adiam a maternidade ou paternidade por temer impacto na progressão profissional. No Brasil, o Atlas do Trabalho Feminino mostra preocupação semelhante entre executivas de 25 a 35 anos. Por fim, há o efeito vitrine: o feed apresenta uma maré contínua de conquistas, startups e experiências de luxo que criam a impressão de que “todo mundo” vive em movimento. Nessa lógica, filhos passam a ser vistos, sobretudo pelas classes emergentes, como obstáculo às vivências que validam status social.

Diante do quadro, governos começam a ensaiar respostas que vão do pragmatismo à heterodoxia. Nos Estados Unidos, o presidente Donald Trump lançou o Baby Investment Account, um depósito inicial de mil dólares em um fundo de índice para cada recém-nascido, isento de imposto de renda até a maioridade. A promessa oficial é dar “patrimônio de partida” às crianças e, de quebra, animar famílias de classe média a terem mais filhos. A Rússia de Vladimir Putin prefere cheques robustos: a expansão do matkapital entrega cerca de treze mil dólares ao nascimento do segundo filho, além de abatimento nos juros imobiliários e vaga automática em creche pública; a meta é elevar a fecundidade a 1,7 até 2030. Na Coreia do Sul, onde a taxa já tocou o recorde negativo de 0,72, o governo banca quatrocentos e quarenta dólares mensais por bebê até os dois anos e oferece moradia social a casais com dois filhos. A França mantém a velha fórmula: licença parental compartilhada de dezesseis semanas, creche quase gratuita e um bônus-natal de novecentos e setenta euros, tudo para conservar a taxa em torno de 1,8 — a mais alta da União Europeia. No Brasil, embora os desembolsos ainda sejam tímidos, circula a ideia de ampliar creches integrais, criar um vale-creche dentro do Bolsa Família e conceder incentivos fiscais a empresas que financiem cuidados infantis.

Demógrafos enfatizam, porém, que dinheiro isolado costuma apenas produzir picos curtos de nascimentos. Os exemplos franceses e suecos indicam que o tripé decisivo envolve creche universal, licença suficientemente longa — compartilhada entre pais e mães — e flexibilidade no horário de trabalho, elementos que reduzem o “custo de carreira” para as mulheres. Sem enfrentar esses gargalos, bônus diretos tendem a falhar.

A insistência de Musk, portanto, não é capricho de bilionário obcecado por Marte. Sociedades que envelhecem depressa tornam-se naturalmente mais avessas a risco, menos inovadoras e, em geral, politicamente voláteis. Investidores já incorporam demografia nos modelos de valuation; governos, pressionados, injetam recursos crescentes para adiar o inverno populacional. Se esses programas sucumbirem à aritmética da baixa fecundidade, o aviso de Musk deixará de soar como alarme distante e passará a definir uma encruzilhada concreta para as economias mais ricas — e, agora, também para o Brasil.

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